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HISTÓRIA DA FLORESTA PORTUGUESA


Fig.1 - Belo exemplar de carvalho alvarinho (Quercus robur L.), com mais de 600 anos e que segundo o Professor Jorge Paiva, será o mais antigo carvalho desta espécie em Portugal. Este exemplar encontra-se na aldeia de Pincães, freguesia de Fafião em plena serra do Gerês (encosta sul do maciço do Gerês, sobre o vale do rio Cávado). Fotografia de Luís Vaz


Antes da última glaciação (Wurm), e com um clima subtropical-húmido, nesta região, a que hoje chamamos Portugal, existiam florestas de árvores de folha persistente, típicas de “regiões subtropicais”, com uma composição idêntica à que se observa, ainda hoje nas florestas “naturais”, da  região biogeográfica da Macaronésia, zona constituída pelos Arquipélagos da Madeira, Açores, Canárias e Cabo Verde. Nestes arquipélagos essa floresta, denominada de “Laurissilva” (silva, em latim significa floresta), não foi devastada pela última glaciação, porque as ilhas, estando rodeadas de água, nunca atingiram temperaturas muito baixas, como os valores que se verificaram nas regiões continentais. Assim, a Floresta “Laurissilva” sobreviveu nesses arquipélagos, enquanto nas regiões continentais se extinguiu.

Este ecossistema “Laurissilva”, é assim designado por ser um tipo de floresta com árvores da família das Lauráceas, como o loureiro (Laurus nobilis), o til (ocotea foetens), o vinhático (Persea indica) e o barbuzano (Apollonias barbujana), entre outras.

Segundo o ilustre Botânico português,  professor Jorge Paiva, “…após as últimas glaciações, e com o desaparecimento da “Laurissilva”, o respetivo nicho ecológico continental foi ocupado por uma nova floresta, com espécies arbóreas mais adaptadas ao novo clima…”. Criou-se desta forma um novo “bosque climácico”, que se desenvolveu bem adaptado ás “novas condições físico-químicas”, então surgidas nesta região do Globo. Entre as espécies lenhosas, predominam árvores da família das Fagáceas, como os carvalhos (espécies do género Quercus), a faia (Fagus sylvatica), com distribuição natural apenas no norte da Galiza, e o castanheiro (Castanea sativa). Por isso, a este tipo de floresta devemos chamar (segundo o botânico português, Dr. Jorge Paiva) de “Fagosilva” ( Silva= Floresta + Fago da família Fagáceas).


Fig. 2- Belo exemplar de um “Til”,  Ocotea foetens (Aiton) Bail (Família Lauraceae).  Existem na ilha da Madeira, exemplares com mais de dois mil anos.  Fotografia de Vitor Reinecke

No Noroeste do país, zona onde nos inserimos, podemos encontrar ainda alguns carvalhais climácicos (ainda com elevados valores de biodiversidade), que revelam alguma da composição florística dos antigos bosques caducifólios que outrora abundavam nesta zona a que hoje denominamos de Minho. Nas encostas mais quentes e abrigadas aparecem o sobreiro (Quercus suber, L.), o medronheiro (Arbustus unedo,L.), o azereiro (Punus lusitanica, L.), o feto do Gerês (Woodwardia radicans L. Sm.), o feto real (Osmunda regalis L.), a uva do monte (Vaccinium myrtylus). Nas zonas mais abrangidas pelo clima atlântico, surgem as matas húmidas de carvalho-comum (Quercus robur, L.) e o azevinheiro (Ilex aquifolium, L.). Acima dos 900 metros o carvalho-comum dá lugar ao carvalho negral (Quercus pyrenaica, L.), existindo também o vidoeiro (Betula alba, L.), o pinheiro de casquinha (Pinus sylvestris, L.) e o teixo (Taxus baccata, L.). Estes bosques (carvalhais) são um “testemunho” da verdadeira vegetação natural da Região do norte de Portugal, mais propriamente das matas húmidas de roble (Quercus robur L.) do noroeste de Portugal. Alguns botânicos, pensam que de facto a degradação deste ecossistema, as matas húmidas de roble (Fagosilva), se iniciou  há cerca de 8 mil anos, quando o homem se tornou Agro-pastoril, semeando trigo/cevada e iniciando-se na atividade da pastorícia. O botânico Jorge Paiva, num texto seu, sobre a "História da Silva Lusitana", afirma mesmo que: "Uma parte das montanhas do norte do país, como por exemplo, a serra de Castro Laboreiro, talvez já estivesse com a floresta muito degradada no início da nossa nacionalidade". Como prova da forte presença humana nessa região, eventual responsável pelas primeiras degradações dos nossos bosques autóctones,  refere a riqueza arqueológica local, como por exemplo as "mamoas e os castros", que segundo estudos recentes, apontam  uma presença humana   mais antiga para esta região do Alto-Minho, de há 5 mil anos.



Fig. 3 - Taxus baccata L. - Vale do Zêzere, Serra da Estrela. Fotografia de Pedro Santos.

Por outro lado, os Descobrimentos e respetiva Expansão marítima, tiveram grande impacte na devastação das formações florestais do nosso país. A investigação histórica florestal, revela que  os Descobrimentos tiveram uma grande responsabilidade na exploração e declínio das florestas europeias e, evidentemente, também das de Portugal. Segundo o Botânico e investigador, Jorge Paiva inicialmente para a construção naval, era utilizada a madeira de azinheira (Quercus rotundifolia) e a de sobreiro (Quercus suber), mas devido a esta grande procura, começou-se a por em risco a abundância destas duas espécies de carvalhos, que forneciam  respetivamente, a bolota comestível e a  cortiça, foi nessa mesma altura, proibido o abate destas duas preciosas e úteis espécies de árvores, tendo sido substituídas pelo carvalho-alvarinho (Quercus robur). Este carvalho-alvarinho, que é espontâneo no noroeste do nosso país, é sem dúvida o de maior porte que temos, e estima-se que para cada nau seriam necessários, entre dois mil a quatro mil carvalhos. Outras madeiras também foram utilizadas, mas em menor quantidade, portanto, com fraco impacte ambiental, nomeadamente a madeira do pinheiro bravo (Pinus pinaster) para a mastreação e vigamento e a madeira de castanho (Castanea sativa) para o mobiliário. Hoje em dia, sabemos pelos historiadores, que só para a “Campanha de Ceuta”, foram necessárias 200 a 300 naus durante a Expansão dos Descobrimentos,  para a da Índia construíram-se 700 naus e para a campanha do Brasil 500. Portanto, e segundo o Botânico Jorge Paiva, estima-se que durante essa época se teriam derrubado efetivamente,  mais de 5 milhões de carvalhos. Segundo este botânico, não haverá dúvida, que foi assim que se desflorestou a grande parte do nosso país, levando mesmo ao desaparecimento de muitos dos nossos riquíssimos carvalhais, plenos de Biodiversidade. O declínio não foi apenas de plantas, atingiu também o reino Animal, com destaque para  o urso-pardo, que se extinguiu também nessa mesma época, em Portugal.

Mais tarde, para a construção de rede de caminho-de-ferro, foram derrubadas as florestas onde predominava o carvalho-negral (Quercus pyrenaica), cuja madeira servia para fabrico das travessas das vias-férreas. 



Fig.4 - Carvalhal da encosta de Meijoeiros ( P. N. P. G. – início da Primavera ). Fotografia de Luís Vaz

Assim, as montanhas, particularmente as da região entre o Douro e o Tejo, foram praticamente desarborizadas e, portanto, erodidas, tendo sido o respetivo solo arrastado assoreando os rios. Com as montanhas desarborizadas, a população passou a viver do pastoreio. A pastorícia intensiva também teve um grande impacto na destruição da flora portuguesa, utilizando gados nacionais, mas também espanhóis na época medieval. A quantidade de animais que pastava nas serras era muito elevada, degradando os ecossistemas florísticos da montanha, com a consequente erosão dos solos.

Os fogos e a prática das queimadas nas regiões agrícolas e também nas regiões de pastoreio, foram outro fator que contribuiu e continua a contribuir para uma desertificação efetiva das nossas montanhas. As referências de fogos em Portugal podem remontar-se, pelos menos, aos fins do século XII, e os seus nefastos efeitos operaram uma modificação quase integral na cobertura vegetal de Portugal, e o consequente assoreamento de uma grande parte dos nossos rios.

A destruição foi tal que os ecossistemas florestais portugueses, de que ainda possuímos algumas relíquias muito degradadas, foram sendo substituídos por urzais de Erica spp. e Calluna vulgaris, giestas (Cystisus spp.) e tojais (Ulex spp.) ou formações naturais mistas de urzes, giestas, tojo e carqueja (Chamaespartum tridentatum), vulgarmente conhecidos pela designação genérica de matos.

A partir de certa altura, essas áreas de mato foram rearborizadas com o pinheiro bravo (Pinus pinaster). O primeiro Regimento de Reflorestação que conhecemos são as leis publicadas em 1495 e integradas nas “Ordenações Manuelinas”. Uma dessas leis das Árvores, constitui uma política de promoção de rearborização nos baldios ou propriedades privadas de todos os municípios, dá-se nesta altura o incremento do pinhal.

Esta lei realça a prioridade das resinosas, o que constitui um marco importante na história florestal do nosso país, tendo-se dado, portanto, o início da difusão dos pinheiros pelas montanhas portuguesas e, praticamente, por todo o território.



Fig.5 –Pinhal de Pinus sylvestris na Serra da Peneda (manchas de “sobreviventes” das florestações dos Serviços Florestais da primeira metade do séc. XX) onde, apesar dos incêndios, surge como espécie subespontânea – fotografia de Pedro Alarcão .

Iniciaram-se nessa altura, grandes campanhas para semear o pinheiro bravo (Pinus pinaster) e o pinheiro manso (Pinus pinea).

As nossas montanhas transformaram-se então num imenso pinhal, outrora cobertas fundamentalmente por carvalhais caducifólios.

Como é do conhecimento público, a partir de 1975 aumentaram grandemente os fogos florestais em Portugal, constituindo-se assim um verdadeiro “problema nacional”, a destruição não só da nossa vasta área de pinhal, como também de alguns “bosques relíquias”.

Como consequência dessa destruição do pinhal, tem-se vindo a assistir a um aumento sistemático da área ocupada por eucaliptos por serem infestantes bem adaptadas a zonas incendiadas e por outro lado são indiscriminadamente plantados, devido ao seu grande valor económico, como matéria prima para a Indústria de Papel.

Estas explorações agroflorestais mono específicas (compostas apenas por uma só espécie vegetal), são promotoras do empobrecimento genético e da própria “diversidade vegetal”, pois são explorações que provocam baixas drásticas na Biodiversidade, como também são formações de elevada homogeneidade genética.

Isto implica maiores riscos de catástrofes, como incêndios de grandes proporções e maior predisposição para  propagações de epidemias.

Se continuarmos neste “caminho”, é óbvio que o que resta da floresta portuguesa, fará parte da história…, com todas as graves perdas da biodiversidade, que ainda hoje possuímos, e assim caminharemos para uma situação irreversível, do ponto de vista do valioso património, “florístico” e “faunístico”, que nenhum de nós desejaria perder. Como tal, deveremos todos desde já, desde políticos a simples cidadãos, implementar medidas que contrariem a degradação e a destruição do que resta da nossa floresta autóctone, a “Fagosilva”.


Fevereiro de 2018

Professor Luís Beleza Vaz

Bibliografia

· Paiva, Jorge  (Coimbra, 2000) – “O Parque Nacional da Peneda-Gerês e a Floresta Portuguesa”

· Moedas, Anabela  – “Ozono” – Revista de ecologia, sociedade e conservação da Natureza – Edição Janeiro 2001 nº4.

· Vaz, Luís Filipe Beleza Gonçalves – “A Vegetação no Parque Nacional da Peneda-Gerês” – Centro de Formação da Ordem dos Biólogos, Braga, Setembro de 2002.

Publicado por: Professor Luís Vaz

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